segunda-feira, 10 de setembro de 2007

sub-jectum

aquele que subjaz às ações
A BORDA EM FRANCÊS?


O Estigma da Loucura e a Perda da Autonomia
Alfredo Naffah Neto


Psicólogo; Mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo _ USP; Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo _ PUC; Professor-Titular da PUC-SP, vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica


O presente ensaio tematiza o estigma da loucura e a perda de autonomia que sofrem todos aqueles
que recebem a sua marca.

as memórias de Haim Grünspun, relatos de experiências psiquiátricas alternativas _ no caso, a Clínica Laborde,www.cliniquedelaborde.com/
no Vale do Loire, França.

procuro descrever o processo através do qual o louco perde a sua condicão
de sujeito para a sociedade a qual pertence e o papel que desempenha a psiquiatria nesse processo.


Utiliza, nesse debate, citações de Esquirol, Nietzsche, Foucault, Franco da Rocha e Ângela Nobre
de Andrade, além de García Márquez e Haim Grünspun


o louco perde _ para a sociedade a qual pertence _ a sua condição de sujeito, no sentido etimológico do termo: sub-jectum, aquele que subjaz às ações, às enunciações do discurso. Desde o instante em que a marca da loucura lhe foi imputada, é como se no lugar do sujeito aparecesse a doença mental; então, o discurso e as ações expressas pelo louco cessam de significar em si próprias, tornando-se apenas sintomas da doença. Julgado incapaz de decidir sobre o seu destino em todas as instâncias, que vão desde a liberdade de locomoção até as decisões sobre a forma de tratamento que recebe, o louco é transformado num fantoche que deve ser manipulado pelo poder/saber médico.


Algumas questões podem ser colocadas a partir daí. A primeira delas _ de caráter filosófico _ é até que ponto a condição de sujeito não é, em si mesma, uma ficção. Nietzsche, por exemplo, considerava a postulação do sujeito como "uma simplificação para designar, enquanto tal, a força que aloca, inventa, pensa, por oposição a toda alocação, invenção, pensamento" (6). Essa consideração cai como uma luva no âmbito da teoria das forças, que caracterizou o terceiro período dos escritos nietzschianos e que interpreta o mundo microscopicamente, a partir dos múltiplos campos de força que o constituem e lhe dão forma a cada momento. Dentro desta concepção, qualquer ação humana é produzida não por um sujeito autônomo, mas pela conjuntura singular de forças, a maior parte delas inconscientes, que articulam o desenrolar do devir humano. A postulação do sujeito torna-se, então, apenas uma questão gramatical, uma ficção criada por certas estruturas de linguagem. Entretanto, em momento nenhum Nietzsche desconhece que, ficção ou não, ela seja uma forma de interpretação de mundo ou, mais do que isso, que seja a forma de interpretação dominante no mundo contemporâneo _ aquela que fundamenta a existência das leis, dos códigos penais e da própria categoria do cidadão, para os quais é indispensável a idéia de um sujeito responsável pelos seus atos. Que é, portanto, através desse código interpretante que os direitos civis de alguém podem ser cassados ou restituídos. É, pois, nesse âmbito que se deve interpretar a perda da condição de sujeito pelo louco, problema mais de caráter político do que ontológico ou cosmológico.



Uma psiquiatria dessa índole está, sem dúvida, mais perto da política do que da medicina ou da psicologia _ e da política reacionária, que funciona como leão de chácara das classes e culturas dominantes para a manutenção do status quo. É pois, desse mesmo Franco da Rocha, que podemos ouvir as seguintes advertências: "A liberdade, quando se trata de doidos, não pode deixar de ser muito relativa. A preocupação de evitar o aspecto de prisão, de dar ao asilo a aparência de habitação comum, tem sido um pouco exagerada por alguns alienistas. O caráter de prisão é, no entanto, inevitável: quando não estiver nos muros e janelas gradeados, estará no regímen, no regulamento um tanto severo, indispensável para um grande número de doentes. Esse regime, porém, não impedirá o gozo de ampla liberdade aos que se achem em condições de usufruí-la. Um bom asilo deve ter secções diversas, nas quais a liberdade se gradue pelo estado mental dos pensionistas. O excesso de zelo pela liberdade dos loucos pode facilmente degenerar em futilidade"

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