domingo, 21 de outubro de 2007

De Clowns de Circo e de Realidade Ficcional - f5 - parte I




Antes de tudo, é um prazer e total falta de bom senso escrever ao lado de hermanos tão ilustres como os que residem na lingua portuguesa e nas proximidades...
Não sou escritor, nem entendido e muito menos detentor de qualquer verdade, sou apenas errante, sou múltiplo e atrevido, então abuso mais uma vez, e escrevo.

De clowns e descobertas

É divertido montar espetáculos de teatro para crianças. Quem acha que é mais simples do que para adultos é porque nunca viveu ou conversou realmente com crianças. Além da preocupação óbvia, ululantemente óbvia em fazer com que, de alguma forma, o espetáculo seja didático sem a intenção de sê-lo - no mínimo, porque somos seres em constante aprendizado, e numa fase da vida em que tudo é absorvido -, crianças não merecem ser tratadas com infantilidade. Algumas, até, são mais inteligentes do que muitos adultos – os pequenos além de tudo são dotados de uma inteligência emocional, uma lógica própria em constante evolução.
Agir como uma criança, inocente, levada, simplesmente má, esperta ou tacanha, terna, isso é um clown!
Os clowns têm uma sabedoria, encontrar suas crianças e vive-las! Somente eles conhecem este segredo! Respeito e admiro esse ofício e não acredito nas pessoas que colocam um nariz vermelho e fazem micagens.

François Fratellini, membro de tradicional família de clowns europeus, dizia: "No teatro os comediantes fazem de conta. Nós, os clowns, fazemos as coisas de verdade."

Seja num bar, num botequim, restaurante ou ruas, em qualquer lugar, entre tantos possíveis e prováveis, ouvindo gritos de potência e urgência, os olhares que se encontram, em espelhos da alma, toda uma vida em combustão no simples encontro de olhares. Famintos! Quando nesses momentos causo graça, quando percebo risadas, não importa quantos, uma criança ou várias, uma multidão, fico todo bobo, pleno, feliz! Atrás do meu olhar, da minha graça em “cair em desgraça” há essa vontade de fazer rir. Há a busca humilde pela qualidade da risada.

Eu procuro, como eles, respirar, em cena, como na vida.

“Não se deve ter medo de perder seu tempo. O público está deformado, sobretudo por causa da televisão: ele quer ver tudo rápido, quer ter tudo rápido, a vida já digerida; e as crianças são como os adultos. Não devemos nos deixar enganar por essa onda. Quando se consegue impor seu próprio ritmo, quando se vence a partida, é maravilhoso porque as pessoas, então, dão-se conta de que se trata de outra coisa.” Dimitri

Montar um personagem, principalmente um clown, e com ele atuar em uma realidade ficcional é um ofício de fé. Ser esse personagem, errante, pelo qual sentimos um vivo interesse, naquilo que ele não sabe fazer, lá onde ele é fraco, tolo. É aceitar-se e mostrar-se tal como se é. Expor-se, nu, intimamente amplificado em seu ridículo.

Existe em nós uma criança, que virou adulto, enrijeceu! Vive tentando enquadrar-se em um sistema, é esta criança, soterrada com as ditas normas de condutas éticas e etiquetas de comportamento social, além claro do pagamento do imposto de renda, aluguel, luz, água e todos esses atrevidos obstáculos implícitos ao nascer. Mas é esta criança que a sociedade não permite aparecer, que por direito e conquista encontra a liberdade de ser, na cena, na ficção, na virtualidade de uma realidade paralela, onde é permitido, melhor do que na vida, manifestar-se.
Que sua criança se manifeste com graça e charme mesmo quando a ação seja de um bufão, de um turrão.
Essa busca de sua criança, esta na liberdade de ser o que se é e de fazer os outros rirem e se divertirem disso.


O Clown Augusto e o Branco

O termo augusto tem sua raiz na língua alemã e apareceu provavelmente em 1869, em Berlim, quando Tom Belling, um cavaleiro, teve uma apresentação desastrosa no picadeiro. O público, então, gritou: “Augusto! Augusto!”.

Ou não.

O augusto é um dos diversos tipos de palhaços existentes, associado ao nariz vermelho, ele não cobre totalmente a face com a maquiagem, mas ressalta o branco nos olhos e na boca. Sua característica básica é a estupidez, ele parece atrapalhado, bruto e indelicado.

A dupla, Augusto e Clown Branco, têm como possibilidade denunciar e potencializar as máscaras cômicas de comportamentos, O Branco seria a voz da ordem, da autoridade e o Augusto, o marginal, aquele que não se encaixa no progresso, nas engrenagens da sociedade, é aquele que vive à margem, solto, sem amarras e nós, não faz parte da máquina e dos bytes do cartão de ponto eletrônico.

As funções do Clown Branco, absorvidas pelo Apresentador/Moderador (Mestre de Pista ou Zelador do Circo) estão sempre sendo contestadas pelo augusto, em atitudes, que não falas, mas quase sempre num rompante, o augusto faz surgir, de pronto a solução inesperada de um enigma ou de uma situação proposta.

Hitler, um clown branco. Mussolini, um augusto. Freud, um clown branco. Jung, um augusto. O jogo da dupla é explorar as forças antagônicas.

E eu me pergunto,
Qual a criança de cada um?
A sua e minha criança se manifesta com qual qualidade de riso e prazer nessas engrenagens político sociais?

Ou, como diria o Nobel Dario Fo:

“Os palhaços sempre falam da mesma coisa, eles falam da fome: fome de comida, fome de sexo, mas também fome de dignidade, fome de identidade, fome de poder. (...) No mundo clownesco há duas possibilidades: ou ser dominado, e então nós temos aquele que é completamente submisso, o bode expiatório, como na commedia dell'arte; ou dominar, e então nós temos o chefe, o clown branco, o que dá ordens, aquele que insulta, aquele que faz e desfaz.”

Qual o tamanho da sua FOME?






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